sábado, 3 de março de 2012

Homossexualidade e Teologia Cristã


                                                    Cena da Peça Santidade, Sexo – Solidão e Culpa nas bordas da Fé

Há pouco tempo, o assunto “homossexualidade em relação à religião” tem explodido nas discussões midiáticas do Brasil, por isso muita gente já conhece o contrassenso que o tema evoca. Este embate se tornou fatigante e por isso não há mais validade em retroceder aos argumentos e esgotá-los num debate irritante; senão, é bom que haja alguma inovação. A igreja contemporânea tem pregado um evangelho medieval e se esforçado para que isso não mude, a não ser que seja uma mudança que envolva mais “fantasias emocionais” ou mais dinheiro. Quero dizer: a igreja, que diz apregoar o evangelho, tem deixado de cumprir o mesmo, impedindo que a palavra “se renove a cada manhã”. Ora, a aplicabilidade do evangelho dos tempos medievais não é para a sociedade contemporânea, assim como não se encaixaria nos tempos de Jesus – Tente não se assustar com isso, mas, antes, processe a informação com inteligência: Se a palavra de Deus é inspiradora (ao invés de ditadora), ela inspirará a sociedade segundo o seu tempo e contexto.
                O que a igreja tem pregado causa um desajuste social; no sentido em que a sociedade progride por sua cultura e a igreja tende a retroceder esta evolução, quando implica um pensamento de caráter medieval para seus seguidores.
                É com essa atitude (de retrocesso) que a igreja tem inventado tantos “modismos espirituais”, moralidades destoadas, lógicas incongruentes e muitas (MUITAS) falácias. Quando a igreja aponta as intempéries sobre a homossexualidade, a TEOLOGIA aproxima o seu olhar e contempla não haver apenas um problema moral com a diferença sexual – a teologia encontra a raiz do problema: diante do desenvolvimento cultural a igreja permanece infantil, carregada de fantasias e desinteressada em mudar esse quadro.
                O Deus que a igreja prega é distante, difícil de ser alcançado e repleto de contradições sobre amor, ódio e autoritarismo – por isso o fiel deve se submeter à igreja, para que seja mediado a Deus. Por sua vez, a igreja é cheia de normativas que amarra seus fieis, submetendo-os a uma “prisão espiritual” do qual não conseguem se libertar, assim a igreja não corresponde ao seu caráter libertador, pois, com suas doutrinas, prende o sentimento, o pensamento, a imaginação, a cognição e o corpo de quem por ela se deixa levar. Todas essas características de comportamento correspondem a de uma cultura medieval, que não são inovadores, nem livres, nem informados, nem midiáticos e nem conhecedores de si - sujeitos absolutamente diferentes dos atuais. Os dogmas das igrejas dificultam todo sujeito de raciocinar e, fora o entendimento doutrinal, para eles, nada mais há para se compreender.
                Estas são as ações da igreja e seu contexto, ela é evangelizadora, trabalha para a remissão do pecador e aprisiona o mesmo a si. Semelhante a “idade das trevas” (como era conhecido o medievalismo), a igreja não produz mais conhecimento e tão pouco progride no que leva consigo.
                Por outro lado, a teologia não é estagnada e nem presa a qualquer tempo do cristianismo; ela caminha lado a lado com a progressão do desenvolvimento humano e comina com a cultura e suas projeções fenomenológicas. A teologia pós-moderno afirma que a espiritualidade só pode ser compreendida mediante o próprio homem; por isso estuda o homem (e suas conquistas) para que haja algum conhecimento sobre Deus – a teologia não desmerece a igreja, mas sempre está a passos largos à sua frente.
                Deste modo, a teologia observa o homem a partir do próprio homem, e torna toda esta visão diferenciada do olhar eclesiástico – mas sem se perder da filosofia cristã. Logo, aquilo que há de mais importante é o homem, no qual destaca principalmente a sua alma. Ora, a alma nada mais é do que as características “não-físicas” de cada um de nós; isso envolve o pensamento, memória, sentimentos, cognição e outros elementos que nos fazem identificáveis como sujeitos. É este complexo sistema “não-físico” do homem que Deus tanto valoriza, que chama de alma, que é repleto de intenções e que é “objeto” de salvação.
                Todo ser humano possui alma; ela é uma sublimação do nosso corpo, “à imagem e semelhança de Deus” – ou seja, não material e absolutamente espiritual. Por isso, seja homem ou mulher; seja amarelo, pardo ou negro; seja oriental ou ocidental – não importa, se você é uma pessoa, você tem alma. Contudo, a historia nos conta que (por exemplo) antigamente diziam que as mulheres não tinham alma, eram consideradas desalmadas - imagine, as sensíveis mulheres não serem espirituais! Mas isso serve de exemplo para compreendermos que o entendimento do que se passa no “não-físico” do sujeito é algo difícil de ser compreendido culturalmente.
               Ora, os gays (homossexuais) sempre existiram nas sociedades. Grandes homens como P. Picasso era gay, Calígula, o grande filósofo Sócrates proporcionava iniciações sexuais para homens e, a partir disso, segue uma vasta lista que aponta diversos sujeitos e comportamentos gays na história – ser gay não é estranho. Destarte, a cultura judaico-cristã (conservadora) aponta a homossexualidade como uma quebra dos desígnios de Deus a partir do momento que não cumpre o “crescei e multiplicai”, ou quem sabe as antigas regras do “homem não se deitar com homem”.
            Os crentes fundamentalistas querem assegurar que a “palavra de deus” seja cumprida, contudo tropeçam em suas próprias palavras. A bíblia não é mais vista como “A PALAVRA DE DEUS”, ela CONTEM a palavra de deus; ela não é mais tida como ditadora ou orientadora – a bíblia serve unicamente como INSPIRAÇÃO. A prerrogativa de se viver uma vida cristã é que se saiba inovar a cada dia, quero dizer: É preciso se reinventar todos os dias através da inspiração da filosofia do cristianismo.
                A salada é misturada mais ou menos assim: A igreja está estagnada, com seus argumentos medievais tentando interpretar as escrituras com fidelidade e acabam gerando dogmas dos quais não conseguem escapar; se na igreja não há liberdade, é comum que este comportamento tenda a se transbordar a ponto de impedir a liberdade dos outros – isso não acontece apenas com gays. Desta forma, “apoiados” nas escrituras falam com tom acusativo, e não acolhedor, como deveria ser; e esbravejam sua culpa com a intolerância sobre o pecador (todos somos pecadores) – assim, aquele que se integra a igreja, o faz com sentimento de culpa social; pela desvalorização que sofre pelo evangelista. Fazem assim por não conhecerem e não suportarem outras formas de trabalho, pois a dor do cárcere “espiritual” que sofrem por ser cristãos (já que ser cristão é uma luta diária) precisam se expressar de alguma forma.
                Contudo a teologia começa a se expressar, ela vem com passos mansos e com carinho para anunciar um sussurro, para não assustar aqueles que a igreja já amedrontou.
               
  Há três pontos básicos que a teologia nos recorda: aceitação, graça e amor:
                - as escrituras trabalham bravamente com o tema da aceitação; utiliza o antigo termo ACEPÇÃO. Nada ecoa mais forte no ouvido dum teólogo do que as ritmadas palavras: Deus não faz acepção de pessoas! Se ele não faz, quem o faz? Os argumentos devem ser reduzidos, pois é incompreensível que se defenda tanto a “posição de Deus” e da família se isso não está sendo tão importante – digo: se um gay não é aceito por esses motivos, um filho agressivo também não deve ser aceito (no antigo testamento são infrações equivalentes); mas não é disso que o “novo testamento” diz, fala-se sobre aceitação, sobre não fazer distinção ou escolhas sobre com quem conviver – ninguém deu melhor exemplo disso do que o próprio Jesus.
                - a graça é um tema maravilhoso na bíblia; ela nos conta dum tempo que o ser humano não era tão desenvolvido como hoje e seu senso social era precário, por isso necessitavam de “ordens expressas de Deus” para viver em sociedade. Quando Jesus entra em cena, ele rompe com tudo isso e anuncia: Vocês podem viver livremente, sem leis, desde que tenham consciência e responsabilidade dos seus atos. É através dessa consciência que a filosofia cristã continua dizendo: privilegie o outro, pois você é o outro dele. Com o ensinamento da graça, aprendemos que devemos exercitar os bons sentimentos com o próximo, mesmo que não mereçam, pois isso é ser educado (quem é educado vive melhor socialmente). Apesar de elementar, é preciso falar disso antes de compreendermos sobre nosso principal tema: as leis do” antigo testamento” deixa de valer (naquele formato) quando o sujeito toma consciência e responsabilidade de seus atos – é a transmutação duma sociedade formal para uma sociedade LIVRE.
                - o amor é a peça chave de todo o cristianismo, não há aceitação ou graça sem o amor – e como diz o poeta bíblico: sem amor, nem a fé existiria. A bíblia nos inspira amar com nosso comportamento e com nossa alma e qualquer atitude avessa a esta não é de um cristão. Existem pessoas com problemas neurológicos que não conseguem amar (psicopatas), eles não conseguem “se por no lugar do outro” – por isso, amar é ter a graça de se colocar no lugar do outro, sem selecioná-lo, e ouvir a sua alma como se fosse a sua (era isso que Jesus fazia). Mas a igreja de hoje se comporta como os antigos fariseus: afirmam que tem o conhecimento das leis, mas não praticam empatia alguma.

               

                  A teologia compreende que a alma não tem sexo; e, também, compreende que a consciência do sujeito é o seu principal tribunal! Ao contrário da dedução teológica medieval, não há tribunais celestial, nem o olhar constante acusador de um deus ditador de regras, nem há necessidades de nos portar como uma criação robótica divina que não tenha vida própria – somos todos iguais por sermos da mesma substância de deus, mas, enquanto corpo, temos as nossas identificações, nossas variações e nossas preferências. A gente faz da vida o nosso melhor para viver, mesmo que isso não pareça o melhor nos olhos do outro, mas isso não é empecilho de amar ou ser amado.
                A inovação da teologia contemporânea é baseada na cultura, e sobre os gays é dito que não há problema algum, nem mesmo em referência às escrituras; aquilo é um emaranhado de assuntos complexos que às vezes deve ser interpretado por um profissional da área. Infelizmente a igreja não se permite divulgar essas boas novas – como dizem meus amigos pastores: Eu entendo a sua forma de amar (gay), mas se meus fieis não compreenderem a minha igreja fecha e eu seria “fuzilado”.
                A ontologia fenomenológica (na bíblia) nos faz entender que a “salvação” não está no sexo, nem no que se faz com ele (propriamente); a “salvação” se dá pelas nossas escolhas de vida e sobre como transformamos nossa alma a cada dia, digo: a salvação é aquilo que se faz do AMOR. Se há amor entre os gays, entre as lésbicas e bissexuais – este sério amor implica em graça e aceitação – o amor gera família e esta conjumina toda a sociedade.
                A teologia não enxerga a imagem capturada pela retina, ela contempla a imagem que se projeta na alma – ao ver dois homens se acariciando, observa duas almas se amando.

Jerry Adriano é teólogo e pedagogo; especialista em psicopedagogia; Professor de filosofia no Estado do Paraná; psicanalista em formação; pesquisador de ontologia, epistemologia, aprendizado e espiritualidade; também, ativista GAY.